No final do século XIX o
entendimento filosófico trouxe o conceito de intuição para a percepção dos
projetos arquitetônicos através de uma perspectiva de idealização artística.
Contudo, somente a partir do pós guerra, a arquitetura começou a significar a
relação do homem com seu espaço de ocupação, na metade dos anos 50, com vários
teóricos trazendo uma abordagem psicológica da construção em interação com o
ambiente.
Conceitos de espaço e lugar,
construção e comportamento humano pautaram discussões teóricas. Christian
Norberg-Schulz (1964) afirmava que o lugar é mais do um simples espaço de
ocupação, é uma manifestação do habitar, ou seja, constituído por elementos
incorporados de significados. Identificação, portanto, passa a ser o definidor,
o que dá sentido ao espaço habitado.
O crítico de arte inglês John Ruskin (1819 - 1900) associava a
arquitetura com a plena expressão de arte que poderia contribuir para a saúde
mental, para o poder e para o prazer de quem a observava.
Torna-se oportuno resgatar nesta abordagem os conceitos de Topofilia
para elucidar ainda mais a vinculação da pessoa com seu ambiente e o valor que
cada um coloca no seu espaço de posse. Segundo Yi-Fu Tuan, a topofilia estuda a
relação afetiva do ser humano com seu ambiente de entorno. Considera a
percepção, as atitudes e os sentimentos de apego das pessoas às construções ou
ao ambiente natural.[1]
É a resposta da pessoa e sua história pessoal que conferem identidade e
significado de lugar a um espaço. Suas percepções sensoriais, seus sentimentos,
o valor que confere a esse espaço fazem essa transformação.
A forma arquitetônica pode influenciar o sentimento humano, ampliar a
consciência, definir e aperfeiçoar a sensibilidade, graduar a temperatura
emocional entre “interior e exterior”, com o ‘dentro e fora’ claramente
definidos as pessoas podem ter certeza de onde estão e as relações e os
sentimentos humanos tendem a se intensificar.
No
desenvolvimento arquitetônico é possível perceber o crescimento da capacidade
humana de sentir, ver e pensar. “Os sentimentos e as ideias confusas são
esclarecidas na presença de imagens objetivas” [2] nas palavras
de Yi-Fu Tuan.
Se a interação ambiente-pessoa modifica ambos, numa interligação dinâmica, podemos afirmar que certos conteúdos da própria experiência podem estar vinculados à reverberação de ondas de energia de uma arquitetura geométrica, mediante formas e alinhamentos harmônicos ou conturbados.
Para Allan de Botton a arquitetura pode nos lembrar quem idealmente
podemos ser quando acessamos sua perfeição, beleza e harmonia. As construções
se expressam além do desempenho de suas funções materiais, também pelas emoções
que suscitam aos nossos sentidos. Mesmo usualmente tendo automatizada a função
de cada espaço, podemos encontrar na emoção gerada uma vinculação com nossos
anseios. [4]
Edouard Le Corbusier, grande arquiteto da atualidade, demonstra sua
crença quanto à influência energética da construção, esta como algo mais além
de uma reunião de tijolos, cimento e demais materiais, ao afirmar:
“Quando uma obra está no
ápice da intensidade, de proporções, de qualidade de execução, produz-se um
fenômeno espacial indizível: o conjunto começa a irradiar fisicamente. É algo
que pertence ao domínio do inefável.”[5]
A
pessoa, em conexão com seu ambiente, age e reage às influências do entorno, e
pode, mediante consciência e própria decisão, alterar circunstâncias,
determinar resultados, ser um agente de transformação interna mediante a ação
externa do cenário de sua vida.
Além dos 5 sentidos usados para perceber um ambiente
existe um contexto fenomênico de relações e proporções, sentimentos, emoções,
intuição, magnetismo e conexões energéticas.
Além de ser apenas uma estrutura de ferro, cimento e tijolos a casa pode ser
vista como uma entidade viva que possui alma própria.
Através da estética e da beleza é possível retomar o contato com um eu
mais harmônico. Ao nos vincularmos ao local de moradia nossa identidade se
revela, e podemos então estabelecer com o ambiente uma relação de verdade e
conexão existencial. Ao acessarmos aspectos de nosso eu no seu estado mais
autêntico, mais espontâneo, entramos naturalmente em relaxamento e entrega
emocional que há tempos ansiávamos encontrar.
Nossa residência é sempre um local capaz de nos nutrir em todos os
sentidos, acima de tudo fornecendo refúgio, abrigo, segurança necessários para
que nosso corpo se sinta relaxado e amparado depois de um dia conturbado.
No
instante em que cruzamos a porta de entrada a sensação imediata pode ser de
abraço e acolhimento. Neste espaço sagrado, em conexão com o que é essencial,
podemos nos sentir pertencendo a um local unicamente nosso.
Lucimara Stráda - www.harmonizare.com.br
[1]
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo
da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.
[2]TUAN,
Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIPEL, 1983.
[3] BYRNE, Rhonda. O Segredo. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2007
[4]
DE BOTTON, Alain. A Arquitetura da
Felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007
[5]DE
LAFFOREST, Roger. Casas que Matam. São Paulo: Ground. 2ª Edição:1991