Um
Passeio pela Casa
A
forma como organizamos, decoramos, cuidamos da nossa casa pode revelar sobre
nossos sentimentos, pensamentos e atuação no mundo. Projetamos neste local que
ancora nossa memória e nossa história de vida a percepção que temos a nosso
próprio respeito e sobre como interpretamos o mundo.
A atenção dá origem a um desejo de harmonia. A atenção, sozinha,
inspira tudo o que precisa ser feito. Ao olhar com atenção para os cantos
desarrumados, para armários entulhados, livros, revistas e jornais empilhados,
infiltrações, rachaduras, vasos vazios, jardim abandonado, pintura para ser
refeita, pó sobre os incontáveis enfeites da estante que já deixaram de ser
vistos, podemos clarificar as projeções inconscientes para impulsionar o
processo de individuação.
O
conceito de individuação foi criado por Jung para descrever um processo de
ampliação da consciência da personalidade individual para uma totalidade do
Si-mesmo. A partir dessa ampliação da consciência a pessoa identifica-se menos
com condutas, crenças, valores sociais, está ancorada por um mecanismo de
auto-realização e tem assimilado as quatro funções (sensação, pensamento,
intuição e sentimento), definidas conceitualmente em sua teoria dos Tipos
Psicológicos.[1]
O convite é
para olhar atentamente para dentro, de si e da casa, interpretar os aspectos de
nossa vida ali refletidos, para decifrar e mudar, criar novos hábitos sem ilusões de
impossibilidades. Ter coragem para assumir nossos desejos e nos
responsabilizarmos por eles! E
então maximizar um comprometimento efetivo com as mudanças que nos desafiam!
Vamos
prosseguir este passeio pela casa construindo uma analogia da Casa com a
psique, ou
seja, com as várias instâncias da nossa mente consciente e inconsciente.
A Fachada da casa é
interpretada como a persona, a máscara utilizada para convivência social. O
Telhado simboliza o local que abriga a consciência. Numa casa com níveis, no Sotão encontram-se analogamente memórias,
desejos, pensamentos reprimidos, pode-se associar aqui a conexão com o Self. O Porão,
respectivamente, está relacionado ao inconsciente, aos instintos, à sombra,
também com a mente inconsciente e a intuição. O chão ou piso da casa representa
a sustentação, a base, o limite entre a consciência e o inconsciente.[3]
A Porta de entrada principal da casa simboliza a
transição entre dois cenários, externo e interno, consciente e inconsciente,
sociabilidade e intimidade, exposição e proteção. Nesta simbologia
acrescentamos o convite à passagem. Toda porta se abre para um caminho.
Possuindo um valor psicológico e dinâmico, faz um convite para passar a um
estado diferenciado. Simbolicamente, essa passagem pode ir do profano ao
sagrado, assim como os portais dos templos e das catedrais, da luz para a
sombra, pode abrir o acesso a um outro nível de consciência.
Corredores
podem ser associados a veias, quando ligam os diversos cômodos estão permitindo
uma conexão interna no sentido horizontal. Compridos ou curto, estreitos ou
amplos, claros ou escuros, liberados ou entulhados, decorados ou abandonados.
Como estão os trajetos da vida?
Escadas
oportunizam acessos a níveis diferentes, entre um andar e outro existe uma
escada que precisa ser trilhada, elas interligam energeticamente a vida no
sentido vertical. Posso atentar para esta área da casa para ancorar um
movimento de descida às sombras (porão) ou de subida aos insights (sótão).
Associada
à alquimia da transformação dos alimentos, a Cozinha é o local onde também se
processam as transformações e o resultado desejado está relacionado com
nutrição, amparo, afeto. Pode aqui ser o primeiro local onde a própria psique
se alquimiza mediante fogo da transformação, matendo a essência mas alterando a
forma. Talvez
a Cozinha esteja com os armários entulhados, uma que outra portinha
desalinhada, gaveta meio que emperrada. Será que também o nosso peso está
excessivo, estamos retendo emoções? Ou o coração é percebido apertado, a
melancolia e a solidão precisam ser interpretados?
Na Sala de estar é onde
acontecem as reuniões sociais, o relacionar-se com amigos e conhecidos.
Adentrar atentamente neste espaço pode revelar a imagem que exteriorizamos, as
crenças básicas sobre quem somos e sobre o que é esperado de nosso
posicionar-se na vida. Como está este local? A espuma do sofá já era ou escapou uma
mola? A Sala está sempre bagunçada, objetos fora do lugar? O abajur com a
lâmpada queimada? E os meus amigos, as minhas parcerias, há quanto tempo não
sei muito bem deles? E os meus objetivos, estou conseguindo concretizar?
Encontro na Sala uma perspectiva sobre meus relacionamentos sociais, e também meu
posicionamento de ordem e questões práticas.
O Dormitório ancora
aspectos do próprio Self que residem na intimidade e na entrega emocional, na
vulnerabilidade de uma vinculação de alma com o outro. Perguntas relacionadas
com romance e vida sexual surgem neste cômodo. Como será que anda a vinculação
efetiva com o meu desejo de encontrar um parceiro?
Além de urgências instintuais, o Banheiro também está relacionado com a
Espiritualidade. Ali somos quem somos, sem máscaras ou representações. Esse espaço também pode significar
purificação e auto renovação. Neste
espaço paradoxal da casa podemos descobrir sobre a transcendência e nossa conexão com o
Divino, encontrar nossa espiritualidade no único local da casa onde é permitido
trancar a porta sem ser incomodado! Louças e azulejos amarelados, rejuntes
manchados, torneira pingando, toalhas puídas, espelho oxidado? Quase sem espaço
para relaxar e me entregar? Ok, normalmente podemos conviver mais um pouco com
esse descaso. Usualmente deixamos isso por último!
Ao
arrumar a casa deixamos ali um pouco da própria energia, que vai impregnando
energeticamente esse local e criando um cenário único, sintonizado com nosso
saber de Si, mesmo que inconsciente. É a combinação de atenção, dedicação,
organização e vinculação que pode criar a sinergia para a transcendência.
É no um refúgio da nossa residência que também temos permissão para uma
plena e livre expressão pessoal. A imagem arquetipal de refúgio remonta à
antiguidade quando os ancestrais utilizavam as cavernas para proteção às
ameaças externas, tanto de intempéries naturais quando do ataque de predadores.
Esse sentimento primitivo permanece conosco e aciona sensações de abrigo,
conforto, amparo e segurança quando retornamos à casa, atributos esses essenciais
para ancorar nosso bem estar físico e psicológico.
Acionamos o campo das sensações em nossa casa quando estamos entregues
e integrados ao ambiente reconhecidamente familiar, quando significamos um
pertencimento pessoal a este local.
Aromas, sons, imagens, decoração, estética agradável aos sentidos,
criam condições para que a atenção se volte para nós mesmos. Na simplicidade,
sem excessos de móveis e objetos, e com o ambiente organizado, conseguimos
racionalmente prestar atenção aos nossos sentimentos, pensamentos, emoções.
Vestir
a casa com carinho, com delicadeza e conceder-lhe a real importância de lar,
ninho, colo é decisão de primeira ordem. Arrumar a casa revela outras
perspectivas, acelera mudanças, concretiza desejos, traz novas definições!
Lucimara Stráda - nov/12 - www.harmonizare.com.br
[1] GUIMARÃES, C. A. F.
Carl Gustav Jung e os fenômenos psíquicos. São Paulo: Madras, 2004.
[2] BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
[3] CHEVALIER, Jean
& GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes,
gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: Editora José Olímpio,
2002.